Sunday, November 30, 2008

410

Atravesso a Praia do Flamengo. Enquanto espero o sinal abrir, um uruguaio magro, alto de barba está conversando ao celular e fuma um cigarro de maconha. Ele diz à alguém do outro lado da linha que começou a fumar aos 32 anos. Ele diz isso no momento em que penso que se eu começasse a fazer uso dessas coisas aos 30 anos, seria algo ridículo.

Finalmente atingimos o outro lado da avenida e chegamos ao ponto de ônibus. O uruguaio vai para debaixo de uma árvore e continua fumando. Eu estranho o fato dele fazer isso, mesmo com a cabine da PM ali em frente. No entanto digo comigo mesmo “ele é gringo e a polícia não vai mexer com ele, já se fosse brasileiro...” Acho que comento isso com alguém no ponto.

Eu fico de olho no uruguaio e o primeiro ônibus para Lapa passa cheio e ninguém entra. Em seguida passa um microônibus do 410 e uma senhora vai pegá-lo. Fico na esperança de que o uruguaio vai pegá-lo também, mas ele continua no mesmo lugar. Como estou atrasado para o meu encontro com a Fabiana na Lapa, decido pegá-lo.

Entrego o dinheiro ao motorista preocupado com o excesso de moedas que ele terá que me dar, já que a passagem custa R$ 2,10 e entrego para ele 3 reais. Enquanto ele faz o troco e dá partida no ônibus, um rapaz que vem atrás de mim pergunta se aquele ônibus vai até a Tijuca. O motorista responde afirmativamente, ressaltando que aquele ônibus dá mais voltas, pois ele vai pelo Rio Comprido. Penso que o rapaz vai desistir pelo fato de ser aquela uma área perigosa da cidade, mas ele não hesita e diz que vai pegar aquele ônibus mesmo, pois seu objetivo é chegar em casa. Aliás, só peguei o 410 porque para o meu intinerário não fazia diferença entre ele ou o 409 – que não passa pela tal área.

Entro no ônibus e nos últimos bancos na cadeira do meio há um gordinho- não muito- de barba sentado na cadeira do meio e ao lado dele, seja na esquerda ou na direita, só há mulheres. Decido sentar em um banco do lado de um velho para ficar mais perto do barbudo, mesmo sabendo que aquele banco é mais desconfortável para uma pessoa gorda, já que ele tinha aquele braço que reduz o espaço. Sento de lado com a perna projetada para o corredor do ônibus na tentativa de ver o barbudo.

O ônibus se aproxima da Lapa, que está mais limpa e com vários bares com letreiros em néon rosa – à semelhança da Pizzaria Guanabara. No meio, entre as duas pistas, há uma espécie de calçadão onde há várias pessoas passando ou sentada tomando chope. Enquanto isso o velho ao meu lado dá risada e ironiza: “está vendo, hoje não há nenhum vascaíno na rua...sumiram todos”. Em seguida ele aponta para uma garota na rua, menciona algo sobre a beleza carioca e diz que aquela menina deve ser flamenguista porque é no Flamengo que está a verdadeira beleza carioca. Não dou muita confiança ao velho e quando o gordinho se levanta para descer, vou atrás dele e saio do ônibus também.

Chego ao calçadão e tiro o celular do meu bolso para ligar para Fabiana. Fico preocupado pelo fato de ser 8 e meia da noite e ainda ser cedo. Desconfio que ela ainda não saiu do trabalho. Quando ando mais um pouco encontro a Fernanda Montenegro- com cabelo maior, preto e um tanto crespo- sentada em uma das cadeiras do calçadão e digo-lhe “Dona Fernanda, eu já estava a sua procura “ – estranhamente neste momento o encontro deixa de ser com a Fabiana e passa a ser com Fernanda. Cumprimento todos da mesa: o marido dela – estranho, porque eu achava que ele tinha morrido- e duas amigas velhas dela. Dou um beijo no rosto de ima delas enqianto a outra aproxima o rosto de mim na esperança de que ela fosse a primeira a ser beijada. Cumprimento as duas com um beijo apenas e estranho isso, pois no Rio se dão dois beijos e não um só.

Em seguida, Fernanda pergunta se eu já conhecia Sérgio Buarque de Holanda e eu digo-lhe que não, só literariamente, enquanto ela o apresenta para mim em outra mesa. Ele me pergunta se eu já li algo dele e eu respondo que li um livro dele que dona Fernanda tinha me emprestado. Ele me questiona, em tom de professor em dia de prova qual era o título do livro e eu respondo-lhe que era uma compilação crítica de vários músicos brasileiros e ele só presta a atenção no que eu digo.

Sinto o meu corpo indo embora do sonho enquanto ele pergunta sobre a minha formação, porque eu decidi ler o livro dele, quem era a minha professora e respondo de longe sem estar com ele, pois neste momento, acordo.